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19 de Abril de 2024

O crime de terrorismo e sua tipificação no artigo 20 da Lei de Segurança Nacional

Publicado por Sergio Bautzer
há 8 anos

Novamente um atentado terrorista mancha a história da humanidade. Se já não bastassem as milhares de vítimas do 11 de setembro, dos atentados em Londres, Boston e em Madrid, agora teremos em nossa memória o fatídico 13 de novembro de 2015, dia em que o mundo parou para ver as repugnantes imagens de terrorismo que vitimaram centenas em Paris.

O fato traz à tona uma antiga discussão no direito pátrio: o crime de terrorismo tem previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro?

Enquanto a Câmara dos Deputados não vota o projeto de lei 2016/15[1], que define os crimes de terrorismo, respondo o questionamento.

A Constituição Federal em seu artigo , inciso XLIII, equipara o crime de terrorismo aos crimes previstos na chamada Lei dos Crimes Hediondos - Lei 8072/90. O delito está tipificado no artigo 20 da Lei 7170/83 - Lei de Segurança Nacional tendo como objetos jurídicos: a integridade nacional, a Soberania Nacional, o regime representativo e democrático, a Federação, o Estado de Direito e a pessoa dos chefes da União. Conforme sustentei no jornal Tribuna do Direito, em novembro de 2001, no artigo Terrorismo: Crime político? (p.16), creio eu que a melhor resposta para essa indagação: sim. O crime está previsto no artigo 20 da Lei 7.170/83, que diz:

“Devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas e clandestinas ou subversivas: Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos. Parágrafo único: Se do fato resulta lesão grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta morte, aumenta-se do triplo”.

Sempre houve divergência doutrinária quanto à aplicação deste dispositivo - artigo 20 da Lei de Segurança Nacional - no tocante à definição legal da conduta atos de terrorismo. Para o Culto Professor Alberto Silva Franco existe ofensa ao Princípio da Legalidade por não existir delimitação no campo de sua incidência, como bem explica em sua obra "Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial", 4ª edição, São Paulo, RT, 1996, p.580, "a falta de um tipo penal que atenda no momento presente, à denominação terrorismo e que ao invés de uma pura cláusula geral exponha os elementos definidores os que se abrigam neste conceito, torna inócua, sob enfoque de tal crime, a regra do artigo da Lei 8072/90". O Ilustre doutrinador refere-se à regra da taxatividade - Princípio da Legalidade - pois leis que definem crimes devem ser precisas, marcando exatamente a conduta que objetivam punir, não podendo o juiz aplicar a analogia ou a interpretação extensiva para incriminar alguém. As condutas criminosas devem ser descritas minuciosamente de maneira que o indivíduo saiba o que é permitido e o que é proibido pelo ordenamento.

Devo mencionar parte da conclusão da comissão especial para efetuar estudos sobre as Medidas de Proteção ao Estado Democrático de Direito, que foram transcritas pelo Ministro do STF Luis Roberto Barroso, no artigo A superação da ideologia da segurança nacional e a tipificação dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, (Revista do Advogado, Estudos em homenagem a Celso Ribeiro Bastos, p.112, nº 73, São Paulo, novembro de 2003): “Até o advento da nova legislação, o entendimento da comissão é no sentido de que a velha Lei de Segurança Nacional, salvo tipos que indubitavelmente devem subsistir (como por exemplo, traição ou atentado à soberania), não deva ser aplicada”. O Ministro Luis Roberto Barroso juntamente com o saudoso ministro do STJ Luiz Vicente Cernicchiaro (coordenador), o professor Luiz Alberto David Araújo e o procurador da República José Bonifácio Borges de Andrada compuseram a comissão constituída pelo ministro da Justiça à época, com a finalidade de elaborar parecer sobre a vigência da Lei 7.170/83, em face da atual Constituição. Dos estudos resultou o projeto de lei nº 6.742/02, que introduziria na Parte Especial do Código Penal título relativo aos crimes contra o Estado Democrático e acabaria revogando a Lei de Segurança Nacional.

Em 2012, a comissão de juristas que estudava reformas no Código Penal aprovou em 30/03/12 a inclusão do crime de terrorismo no texto da lei[2].

Ao definir o crime de formação de organização criminosa, o legislador pátrio perdeu a oportunidade de colocar fim à celeuma sobre a definição do delito de terrorismo, quando apenas o mencionou no inciso II,do § 2º, do artigo da Lei 12.850/13:

Art. 1o Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a nvestigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.

§ 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

§ 2o Esta Lei se aplica também:

I - às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

II - às organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de suporte ao terrorismo, bem como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas, ocorram ou possam ocorrer em território nacional..

Vale lembrar que antes de ser reformada em 2012, a Lei 9613/98, que trata da Lavagem de Capitais, previa no rol taxativo de delitos antecedentes o terrorismo e o seu financiamento[3].

Conforme o se depreende da leitura do Informativo nº 772, a 2ª Turma do STF, no julgamento do PPE 730/DF, no qual fora relator o Min. Celso de Mello, em 16.12.2014, manifestou-se no sentido da inexistência da definição típica do crime de terrorismo:

“(...) Por outro lado, e a despeito do que consignado, não haveria, igualmente, a possibilidade de prosseguimento do feito, isso em decorrência da impossibilidade, no caso, de observância do princípio da dupla tipicidade, eis que, tratando-se do delito de terrorismo, inexistiria, quanto a ele, no sistema de direito positivo nacional, a pertinente definição típica. Mostrar-se-ia evidente a importância dessa constatação, porquanto a comunidade internacional ainda não teria sido capaz de chegar a uma conclusão acerca da definição jurídica do crime de terrorismo. Inclusive, seria relevante observar a elaboração, no âmbito da ONU, de ao menos 13 instrumentos internacionais sobre a matéria, sem que se chegasse, contudo, a um consenso geral sobre quais elementos essenciais deveriam compor a definição típica do crime de terrorismo ou, então, sobre quais requisitos deveriam considerar-se necessários à configuração dogmática da prática delituosa de atos terroristas. Tornar-se-ia importante assinalar, no entanto, no que se refere aos compromissos assumidos pelo País, que os novos parâmetros consagrados pela Constituição determinariam uma pauta de valores a serem protegidos na esfera doméstica mediante qualificação da prática do terrorismo como delito inafiançável e insuscetível da clemência soberana do Estado (CF, art. , XLIII). Essas diretrizes constitucionais — que evidenciariam a posição explícita do Estado brasileiro de frontal repúdio ao terrorismo — desautorizariam qualquer inferência que buscasse atribuir às práticas terroristas tratamento benigno de que resultasse o estabelecimento, em torno do terrorista, de inadmissível círculo de proteção, a torná-lo imune ao poder extradicional do Estado”.

Apesar de considerar que não há definição do crime de terrorismo, o procurador da República Luiz Carlos Gonçalves dos Santos, em seu livro Crimes Hediondos e Tortura (São Paulo, CPC, 2004, p.22) lembra que “o STF, em situação análoga, de considerar que o crime de tortura, antes da Lei nº 9.455/97, vinha definido no artigo 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente ('submeter a criança ou o adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a tortura', HC 74.332-RJ, relator ministro Néri da Silveira, 24 de setembro de 96”. A decisão da Corte de Brasília estava lastreada nos diversos tratados de repressão ao crime de tortura, dos quais o Brasil era signatário.

Melhor razão não socorre aqueles que defendem que o artigo fere o princípio da legalidade no tocante a um de seus efeitos, que é o da taxatividade. Antonio Scarance Fernandes entende ter o artigo 20 da Lei de Segurança Nacional tipificado o terrorismo, podendo ser aplicadas as consequências da hediondez (RT 660/261).

Professor Victor Eduardo Rios Gonçalves entende que “esse art. 20 contém um tipo misto alternativo em que as várias condutas típicas se equivalem pela mesma finalidade — inconformismo político ou obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas. Ora, no dicionário Aurélio pode-se encontrar a definição de terrorismo como “toda forma de ação política que combate o poder estabelecido mediante o emprego de violência”, de maneira que todas as condutas do art. 20, por pressuporem emprego de violência, constituem atitudes terroristas. Não se pode exigir que, para constituir delito dessa espécie, a própria lei defina expressamente a palavra terrorismo, sob pena de concluirmos que também não existe tráfico de entorpecentes porque a Lei n. 11.343/2006 não usa a palavra “tráfico” em seus arts. 33 e 34. Obviamente será a natureza de uma determinada conduta que lhe dará a conotação de terrorista. Essa natureza é facilmente encontrada no próprio art. 20, que descreve condutas típicas que exigem emprego de violência por inconformismo político ou para a obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações clandestinas ou subversivas[4]”.

Professor Fernando Capez entende que “não existe nenhuma ofensa ao princípio da reserva legal nessa previsão normativa. É que, embora o seu tipo definidor seja aberto, isso se justifica plenamente diante da imensa variedade operacional com que essa conduta pode se revestir, sendo impossível ao legislador antever todas as formas de cometimento de ações terroristas”[5].

Eu já expus outrora que por se tratar de um “tipo misto alternativo, tendo as condutas igual valor, a prática de qualquer uma delas, aliadas ao emprego da violência, constituirá atos de terrorismo”[6]. Ressalto que ao observarmos os verbos devastar e depredar, aparentemente ambos têm o mesmo sentido. Nota-se ainda que o verbo depredar pode dar a idéia de roubar e saquear, sendo que estes dois últimos têm o mesmo significado. No meu entendimento, devastar é a conduta que provoque despovoamento de um determinado lugar. Já depredar é a alteração ou a destruição de um determinado bem por inconformismo político. Por fim saquear, seria o roubo praticado por um ou mais agentes, que se aproveitam da situação caótica instalada em determinado momento e lugar para subtração de bens. Como bem lembra Victor Eduardo Rios Gonçalves em seu livro Crimes Hediondos, Tráfico, Terrorismo, Tortura (1ª edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2001), para que haja o ato de terrorismo a violência deverá ser empregada por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.

Pelo Princípio da Justiça Penal Universal, previsto em nosso Estatuto Penal em seu artigo 7º, inciso II, a, respeitado o disposto no parágrafo 2º, caso terroristas adentrem no território nacional, estarão sujeitos às leis brasileiras desde que o Brasil seja signatário de tratado ou convenção em que se obrigue a reprimir o terrorismo internacional, sendo irrelevante a nacionalidade do agente, o bem lesado ou o local da infração.

Enfim, partilho do entendimento de que o terrorismo está previsto no artigo 20 da Lei 7.170/83, o qual foi recepcionado pela atual Constituição, mas, como há muito mais vozes em sentido contrário e não sendo hoje o momento mais adequado para discussões, a melhor solução seria a aprovação do projeto de Lei 2016/15, dando nova definição ao crime de terrorismo.


[1]Disponível em http://www2.câmara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1514014

[2] Disponível em http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2012/03/30/juristas-aprovam-criacao-de-crime-de-terrori...

[3] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9613.htm.

[4] Gonçalves, Victor EduardoRios. Legislação penal especial / Victor Eduardo Rios Gonçalves. –8. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2011. – (Coleção Sinopses Jurídicas; v. 24).

[5] Capez, Fernando. Curso de Direito Penal, volume 4. 8ª edição, São Paulo: Saraiva, 2013, página 645).

[6] (SANTOS FILHO, Sergio Ronaldo Sace Bautzer dos. Terrorismo. www.ibccrim.com.br, 20 de outubro de 2001)

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